Carta Mensal - Outubro 2025
- Rodrigo Seixas

- 10 de nov.
- 8 min de leitura

“Você não pode prever, mas pode se preparar.” — Howard Marks
Reflexões iniciais
O trimestre final de 2025 começou com um contraste emblemático entre as duas principais ancoragens de política monetária para o investidor brasileiro.
De um lado, o Federal Reserve continua o ciclo de cortes de juros em meio à economia americana ainda aquecida; de outro, o Banco Central do Brasil reafirma uma das posturas mais restritivas do mundo, sustentando a Selic em 15% e enfatizando a necessidade de manter a prudência por “um período prolongado”.
Essa divergência reflete não apenas estágios distintos de ciclo, mas duas filosofias econômicas opostas: uma que busca proteger o emprego mesmo ao custo de uma inflação mais alta (Fed), e outra que prioriza credibilidade e convergência de expectativas, mesmo à custa do crescimento (BACEN).
O resultado é um mercado global em transição — liquidez voltando a circular, dólar mais fraco, e diferencial de juros cada vez maior para o real.
Cenário Internacional — Ciclo de cortes de juros continua
No final do mês de outubro, o Fed reduziu os juros em 25 pontos-base (já o havia feito em setembro), justificando o movimento como uma medida de “gestão de riscos” diante de sinais de perda de fôlego no mercado de trabalho.
É importante dizer que o corte era esperado. Porém causou uma certa surpresa o tom e a orientação futura (“forward guidance”) de que mais cortes podem não acontecer — algo que contraria as expectativas de muitos investidores para a reunião de dezembro principalmente.
De qualquer maneira, estamos em meio a um ciclo de cortes no mercado mais importante do planeta.
Depois de quase duas décadas de uma política fiscal expansionista e juros baixos, o Fed parece ter internalizado a ideia de que o custo político de uma recessão é maior do que o de uma inflação ligeiramente acima da meta.

Essa mudança de postura indica que o banco central americano, consciente do peso da dívida pública (hoje acima de 120% do PIB), passa a aceitar juros reais mais baixos como forma indireta de reduzir o valor real da dívida — um processo clássico de debasement monetário.
O debasement do dólar — o preço da hegemonia
Desde 2008, e de forma mais intensa após a pandemia, os EUA vêm convivendo com déficits gêmeos elevados — fiscal e externo — financiados por expansão monetária e demanda global por títulos do Tesouro.
A base monetária mais que triplicou em 15 anos, enquanto a dívida pública dobrou. Durante esse período, a inflação de bens permaneceu contida, mas o preço dos ativos disparou — ações, imóveis e empresas de tecnologia tornaram-se o verdadeiro espelho da desvalorização do dinheiro.
O debasement moderno é silencioso: ele se manifesta quando os rendimentos reais dos Treasuries se tornam negativos e a moeda de reserva global passa a ser usada não apenas como meio de troca, mas como instrumento político e fiscal. O resultado é uma erosão gradual da confiança no dólar como reserva de valor de longo prazo.
Diante disso, ativos escassos e não diluíveis voltam a ganhar relevância. O ouro e o bitcoin passaram a representar a mesma defesa conceitual: preservar valor em um mundo em que o preço do dinheiro deixou de ser neutro.
Ambos não competem com o dólar como moeda de transação, mas expressam a tentativa dos agentes de preservar valor em um sistema monetário global que vem sendo testado por políticas expansionistas. É menos uma ruptura e mais um sintoma de transição: da confiança plena na moeda americana para um regime de credibilidade mais distribuída.
O cenário de dólar fraco — causas e implicações
A desvalorização recente do dólar pode não ser apenas tática; ela reflete a confluência de fatores estruturais e conjunturais.
(a) O diferencial de juros diminui. Com o início dos cortes do Fed e sinais de estabilização das taxas em outras economias avançadas, o gap de juros que sustentava o dólar começa a se fechar. O capital de curto prazo, antes estacionado em ativos americanos, passa a buscar juros reais positivos em outros mercados, principalmente emergentes.
(b) Os déficits gêmeos americanos se ampliam. O déficit fiscal e o déficit em conta corrente ultrapassam 5% do PIB cada. Historicamente, períodos de déficits duplos elevados — como em 1985 e 2002 — coincidem com ciclos de dólar fraco, à medida que cresce a necessidade de financiamento externo.
(c) Mudança no fluxo geopolítico e de reservas. O reposicionamento global de reservas é um fenômeno silencioso, porém relevante. Diversos países vêm diversificando ativos, aumentando a participação de ouro e moedas locais em detrimento do dólar.
(d) Liquidez global em expansão. A retomada da liquidez pelo Fed transforma novamente o dólar em moeda de funding. Quando os juros americanos caem, os fluxos para ativos de risco se intensificam e o dólar tende a se desvalorizar frente a outras moedas.
Historicamente, ciclos de desvalorização do dólar são seguidos por fluxo intenso para emergentes, reduzindo spreads e fortalecendo moedas locais. Esse movimento tende naturalmente a favorecer o Brasil, como já vem acontecendo durante todo o ano de 2025.

Embora o país enfrente desafios fiscais relevantes e episódios recorrentes de ruído político, ainda reúne atributos raros entre seus pares:
(i) juros reais elevados, que oferecem prêmio em moeda forte;
(ii) mercado financeiro profundo e líquido, capaz de absorver capital estrangeiro em escala;
(iii) instituições que preservam um grau razoável de estabilidade e previsibilidade.
Brasil — o guardião solitário da ortodoxia
Enquanto o mundo relaxa, o Banco Central do Brasil mantém o tom firme. A Selic em 15% reflete uma postura que combina preocupação com expectativas de inflação e com a trajetória fiscal. O Copom reconhece que a inflação corrente é benigna — IPCA em 12 meses em torno de 4,5% —, mas alerta que o processo de convergência é frágil e depende da manutenção de juros reais elevados.
Apesar do discurso ainda cauteloso do Banco Central, entendemos que o ciclo de política monetária no Brasil se encontra em sua reta final e que, em breve, a autoridade deverá rever sua posição.
Três fatores sustentam essa avaliação. Primeiro, o nível atual da Selic representa uma das maiores taxas reais de juros do mundo, hoje mais de 10 pontos percentuais acima da inflação corrente (IPCA + 10%), o que configura uma postura claramente restritiva. Segundo os sinais de desaceleração da atividade econômica se acumulam — as vendas do varejo e a produção industrial vêm perdendo fôlego, os indicadores de crédito mostram aumento da inadimplência e retração na concessão e, mais recentemente, o mercado de trabalho começa a dar sinais de arrefecimento.
Por fim, o câmbio tem mostrado valorização consistente, refletindo tanto o diferencial elevado de juros quanto o ambiente externo mais benigno, o que contribui para conter pressões inflacionárias à frente.
Em síntese, o Brasil combina inflação sob controle, atividade em moderação e política monetária restritiva — uma equação que preserva a credibilidade do BC, mas impõe um custo econômico crescente.
Brasil — EUA e o tema das tarifas
As negociações entre Brasil e Estados Unidos sobre tarifas avançaram após o encontro recente entre os presidentes, que sinalizaram disposição em evitar uma escalada comercial.
O governo Trump mantém a agenda de revisão de acordos e reequilíbrio da balança bilateral, especialmente em setores sensíveis como aço, alumínio, etanol e produtos agrícolas — áreas em que o Brasil conserva superávit relevante. A visita presidencial serviu para reabrir canais técnicos de diálogo, com compromisso mútuo de buscar soluções setoriais e avaliar compensações pontuais.
Paralelamente, o congresso americano discute medidas que restringem a autonomia da Casa Branca para conceder isenções tarifárias, enquanto parte do Senado pressiona por regras mais previsíveis e multilaterais, buscando reduzir o impacto político das tarifas sobre importadores e consumidores domésticos.
Apesar das incertezas, a avaliação predominante é de que prevalecerá uma solução negociada, limitada a ajustes pontuais e sem ruptura comercial ampla.
Para o Brasil, um desfecho cooperativo reforçaria o ambiente positivo criado pelo dólar mais fraco e ajudaria a sustentar o fluxo de capital estrangeiro em direção aos ativos locais.
No plano doméstico, enquanto o debate comercial ganha contornos diplomáticos, o mercado de crédito segue sendo o principal termômetro da política monetária e da atividade econômica.
Cenário de Crédito
O mercado de crédito seguiu em trajetória de expansão moderada no terceiro trimestre, ainda refletindo os efeitos defasados da política monetária restritiva.
Em setembro, o saldo total de crédito ampliado ao setor não financeiro atingiu cerca de R$ 19,8 trilhões, equivalente a 159% do PIB, crescendo 0,2% no mês e 12,2% em 12 meses.

O avanço foi sustentado principalmente pelos empréstimos do Sistema Financeiro Nacional (SFN), que cresceram 1% no mês e 9,6% em 12 meses, enquanto os títulos públicos de dívida tiveram leve retração no período.
Entre os segmentos, o crédito às famílias mantém ritmo mais forte que o corporativo, com alta de 11% em 12 meses, impulsionado por modalidades de consumo e consignado. Nas empresas, o crescimento é mais contido, em torno de 9%, concentrado em capital de giro e desconto de recebíveis, refletindo maior seletividade bancária.

Os créditos com recursos livres seguem sendo o motor principal, totalizando R$ 3,9 trilhões, com destaque para financiamento de veículos, crédito pessoal e operações de curto prazo corporativas. Já o crédito direcionado, que representa aproximadamente R$ 2,9 trilhões, cresce a taxas próximas de 12% ao ano, amparado por programas de habitação e crédito rural.
As taxas de juros permanecem elevadas: a média geral das novas concessões está em 31,3% ao ano, com estabilidade recente após forte alta nos últimos 12 meses.
No crédito livre, o custo médio é de 45,5%, e ainda que tenha havido recuo pontual, os níveis seguem historicamente altos — em especial nas linhas voltadas ao consumo.

Por fim, a inadimplência do SFN estabilizou em 3,9%, após sucessivas altas desde 2023.
O crédito às famílias mostra sinais de alívio marginal, com inadimplência em torno de 6,7%, enquanto o segmento corporativo permanece controlado, em 3,2%.

FIDCs — expansão e consolidação do mercado de recebíveis
A indústria de FIDCs manteve ritmo firme de crescimento ao longo do terceiro trimestre, refletindo a combinação de juros ainda elevados e maior demanda por alternativas privadas de crédito.
O patrimônio líquido do setor atingiu R$ 809 bilhões em setembro, novo recorde histórico e um avanço de 4,1% em relação a junho. O movimento foi consistente mês a mês, com expansão gradual desde julho e sustentado interesse de investidores institucionais.
Embora o número total de fundos tenha se mantido estável — 3.654 veículos em operação ao final do trimestre —, o crescimento do patrimônio indica maior concentração de recursos em estruturas já consolidadas, sinalizando maturidade do mercado.

A composição dos ativos-lastro manteve padrão semelhante ao observado nos trimestres anteriores, com recebíveis comerciais preservando a liderança, somando cerca de R$ 266 bilhões. Na sequência aparecem as cotas de outros FIDCs, com R$ 115 bilhões, seguidas pelos segmentos de multiclasse, crédito pessoal e crédito corporativo, que completam o grupo dos cinco principais tipos de lastro da indústria.

O avanço contínuo do mercado de FIDCs reforça o papel crescente do crédito estruturado privado no financiamento da economia real. A combinação de diversificação de origens, inovação regulatória e maior sofisticação dos investidores consolida o produto como um dos pilares mais dinâmicos do mercado de capitais brasileiro.
Reflexões Finais
O mundo finaliza 2025 em um ponto de inflexão. A política monetária global entra em novo regime — menos ancorado na ortodoxia, mais dependente da tolerância à inflação — enquanto o Brasil sustenta, com custo elevado, a credibilidade que conquistou nos últimos anos. É uma inversão curiosa: países que antes exportavam disciplina agora importam liquidez; os que mantiveram rigor monetário, como o Brasil, colhem prêmio, mas convivem com crescimento modesto e pressão fiscal.
Para o investidor, o desafio é distinguir o que é ciclo do que é mudança estrutural. O dólar fraco e a liquidez abundante são ventos favoráveis, mas não substituem fundamentos. A história mostra que fases de dinheiro fácil tendem a elevar os preços dos ativos antes de testar a paciência dos investidores.
O Brasil, nesse contexto, segue em posição singular: ainda carrega taxas reais elevadas, moeda competitiva e um sistema financeiro sólido. Esses fatores sustentam o interesse estrangeiro e mantêm o país na rota dos fluxos globais. Mas a sustentabilidade desse quadro dependerá de coerência fiscal e estabilidade institucional — virtudes que, num mundo cada vez mais volátil, voltam a ter valor de prêmio.
Finalizamos 2025 com menos certezas e mais interdependência. A economia global parece se mover de um equilíbrio baseado em credibilidade para outro baseado em conveniência. Nessas transições, quem preserva a capacidade de análise e disciplina tende não apenas a resistir, mas a encontrar valor onde os demais enxergam apenas ruído.




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